10/05/2013
O ISS e o contrato de Leasing
O julgamento do REsp 1060210, pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob a sistemática dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC), pôs novamente em voga no cenário jurídico o contrato de leasing, ao apreciar as controvérsias sobre o local de prestação deste tipo de serviço, definindo qual é o município competente para a cobrança do ISS, evitando, assim, a pluritributação dessa operação.

A origem da querela remonta a 2009, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) - RE 592905 - decidiu que o ISS incide sobre o leasing, ocasião em que o ministro Eros Grau indicou que o cerne do negócio jurídico de arrendamento mercantil consiste na colocação de um bem à disposição do arrendatário, ou seja, o núcleo do negócio é o financiamento, e financiamento é serviço. A partir dessa decisão, as partes envolvidas, em especial as empresas de leasing e algumas prefeituras, recorreram ao STJ para que a Corte definisse qual o município competente para a cobrança da exação, uma vez que instituições do setor chegaram a ser autuadas por até três municípios distintos (do local da sede da empresa, da entrega do bem e do local onde o bem foi registrado).

O contrato de leasing, definido na nº Lei 6.099, de 1974, consiste em negócio jurídico pelo qual o interessado em usar e fruir de um determinado bem, em vez de comprá-lo, pede a uma empresa que efetue a compra em seu lugar, de acordo com as especificações por si fornecidas, para que, posteriormente, alugue-lhe o bem por prazo determinado. Ao fim deste prazo, em princípio, o interessado possui a tríplice opção de (i) adquirir o bem pelo preço residual, (ii) renovar o contrato ou (iii) restituir o bem, conforme acordarem as partes. A modalidade leasing financeiro, de que ora se cuida, é regulamentada pela Resolução CMN nº 2.309, de 1996.

O ISS é de competência dos municípios e incide sobre serviços de qualquer natureza, assim definidos por lei complementar, excetuados aqueles de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicações, que são de competência dos Estados, sujeitos à incidência do ICMS. O tributo foi inicialmente regulado pelo Decreto-Lei nº 406, de 1968, em seu art. 8º e seguintes, combinados com a lista de serviços fixada pelo Decreto-Lei nº 834, de 1969, posteriormente alterada pela Lei Complementar nº 56, em 1987. Atualmente, é disciplinado pela Lei Complementar nº 116, de 2003, que veio atender ao comando constitucional acima mencionado.

No caso específico do leasing, a tributação pelo ISS sempre foi bastante polêmica, pois somente a partir da edição da LC 56/87 é que passou a constar, na lista de serviços anexa ao DL 406/68, a expressão "arrendamento mercantil". Até então, os municípios fundamentavam a cobrança no item 52, que se referia tão somente à "locação de bens móveis". Atualmente, todavia, o arrendamento mercantil consta expressamente do item 15.09 da lista de serviços da LC 116/2003.

A questão da incidência ou não do ISS começou a ser analisada pelo STF no RE 106047, no qual restou decidido, por maioria de votos, que nos contratos de leasing preponderava o elemento locação de bens móveis (arrendamento), razão pela qual a atividade seria passível de tributação pelo ISS, como se locação fosse. Posteriormente, a matéria foi submetida à apreciação do Pleno do STF, no julgamento do RE 107869, decidindo os ministros que, com a instalação do STJ, a competência para julgar a causa seria do novo tribunal, razão pela qual o recurso extraordinário foi convertido em recurso especial. No STJ, concluiu-se que, até a edição da LC 56/87, o ISS não poderia ser cobrado, eis que o item 52 da Lista de Serviços não se aplicaria ao leasing, mas somente incidiria no período posterior.

Da interpretação conjunta do texto constitucional e da legislação apontada, é possível concluir que o ISS incide quando há a prestação, para um terceiro, de uma utilidade, material ou imaterial, com habitualidade e de conteúdo econômico, sob regime de direito privado.

Especificamente no que diz respeito ao ente competente para a cobrança do ISS, o art. 12 do DL 406/68, revogado com o advento da LC 116/2003, afirmava que se considera como local da prestação do serviço (a) o estabelecimento do prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador; ou (b) no caso de construção civil, o local onde se efetuar a prestação. Assim, formaram-se duas correntes, uma interpretando literalmente o artigo e a segunda para afirmar que o aspecto espacial da regra-matriz de incidência do ISS seria sempre o local da prestação do serviço.

A dificuldade de apreensão do aspecto espacial na tributação do ISS sobre operações de leasing decorre, em grande parte, das características da prestação do serviço, que é diferida no tempo e no espaço, ensejando um conflito entre municípios para sua cobrança. E, em numerosos casos, pretenderam dois municípios cobrar o ISS sobre a mesma operação. Desde o DL 406/68, o Brasil adotou o critério do "estabelecimento prestador" como elemento de conexão material, como já afirmamos em sucessivos pareceres desde 2005.

Nessa decisão, o STJ entendeu, à unanimidade, que, na vigência do DL 406/68, o ISS deve ser recolhido nos municípios que sediam as companhias prestadoras do serviço, também válido para o caso de tributos lançados por homologação, e, a partir da LC nº 116/03, na cidade da unidade econômica ou profissional do estabelecimento prestador do serviço de arrendamento mercantil no município onde essa prestação for perfectibilizada. E mais. Os oito ministros integrantes da 1ª Seção se manifestaram no sentido de que o fato gerador do imposto é a liberação do financiamento do bem, que ocorre na sede da empresa, e não a venda ou a entrega ao comprador do veículo financiado. Referido acórdão foi recentemente objeto de interposição de embargos declaratórios pelo ente municipal, concedendo-se liminar para sustar quaisquer medidas de acerto, bloqueio ou repetição de quantias pagas a título de ISS com amparo no acórdão embargado até o fim do julgamento do recurso. Pendem de apreciação, também, agravos regimentais interpostos em face de aludida decisão, aguardando-se o desfecho da controvérsia.

Ao decidir sob a sistemática dos recursos repetitivos, o STJ não só cumpre sua missão institucional e constitucional de uniformizar a jurisprudência, posicionando-se de forma definitiva sobre um tema que outrora acolheu posições conflitantes, mas também traz segurança jurídica aos contribuintes, destrava os inúmeros recursos que discutiam a matéria, sobrestados desde 2009, e contribui para a redução do spread bancário.

Fonte: Valor Econômico
 
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